7 de out. de 2020

Preparo e Trabalho Intelectual – A.-D. Sertillanges

Preparação e Trabalho Intelectual – A.-D. Sertillanges

O presente post trata de notas retiradas do livro A Vida Intelectual escrito por Sertillanges, padre francês que conta com uma vasta produção literária dedicada ao pensamento tomista. Na obra em questão são discutidos os dezesseis conselhos deixados por São Tomás de Aquino para aqueles que pretendem dedicar-se à uma vida de estudos; de produção intelectual

A seguir estão destacadas as notas retiradas dos capítulos VII e VIII, que versam sobre a preparação do trabalho e o trabalho criador, respectivamente.


Veja também: A VIDA INTELECTUAL - A.-D. SERTILLANGES



A preparação do trabalho


1. A leitura

Ler pouco: temos que ler inteligentemente, e não apaixonadamente. Vamos aos livros como a dona de casa vai ao mercado, já tendo a lista do dia definida conforme as leis da higiene e de uma prudente economia. A leitura desordenada entorpece o espirito, não o alimenta; torna-o pouco a poco incapaz de reflexão e de concentração, e por conseguinte de produção; exterioriza-o por dentro, e torna-o escravo de suas imagens mentais, desse fluxo e refluxo do qual ele se torna um ardoroso expectador.


O trabalhador sensato, mantendo o domínio sobre si, calmo e livre, só lê o que pretende reter, só retém o que lhe deve servir, organiza seu cérebro e não o embrutece com uma carga absurda.


A redução deve recair sobretudo sobre as leituras menos substanciais e menos sérias. Mais importante ainda é jamais ler quando poder recolher-se; leia, exceto nos momentos de distração, unicamente o que se relaciona ao objetivo determinado, e leia pouco, para não devorar o silêncio. 


Escolher os livros: não acreditar nas propagandas interesseiras, nem nos títulos aliciantes. Ter conselheiros fieis e peritos. Só beber nas fontes. Frequentar somente a elite dos pensadores. O que nem sempre é possível em matéria de relações pessoais, é fácil em matéria de leitura. Temos que aproveita isso! Só ler em primeira mão, lá onde brilham as ideias mestras e desprezar as obras malfeitas, que provavelmente, são mal pensadas.  


Quatro espécie de leituras: há leituras de fundo, leituras de ocasião, leituras de estímulo/edificação, e leituras de repouso. Todas essas leituras devem ser feitas à luz das nossas observações; cada uma apresentar suas exigências particulares. As leituras de fundo exigem docilidade (acreditar no seu mestre), as leituras de ocasião, maestria (com três ou quatro especialistas sobre a matéria), as leituras de estímulo, ardor, as leituras de repouso, a liberdade.


O contato com os gênios: recordar de vez em quando aqueles que brilham com especial fulgor no firmamento da inteligência é folhear nossos títulos de nobreza. O contato com os gênios proporciona-nos como benéfico imediato uma elevação; somente por sua superioridade já nos gratificam, antes mesmo de nos ensinarem alguma coisa. Dão-nos um tom; acostumam-nos ao ar das alturas.


Conciliar em vez de opor: uma condição essencial para aproveitar bem as leituras é procurar sempre conciliar seus autores em vez de contrapô-los, pois insistir indefinidamente sobre as diferenças é vão; procurar os pontos de contato é a investigação fecunda.


Apropriar-se e viver: a fonte do saber não está nos livros; está na realidade, no pensamento. Os livros são placas de sinalização; a estrada é mais antiga, e ninguém pode fazer por nós a viagem para a verdade. O que um escritor disse não é o mais importante; o que nos interessa é aquilo que é, e nosso espírito deve se propor não a repetir, mas a compreender, ou seja, a aprender com ele, ou seja, a absorver vitalmente, e finalmente pensar por si mesmo.


2. A organização da memória

O que se deve reter: grave somente aquilo que pode ajuda-lo a conceber ou a executar, que pode se assimilado em sua alma, corresponder a seus objetivos, vivificar sua inspiração e alicerçar sua obra. Quanto ao resto, entregue ao esquecimento. O que cada um deve procurar conservar em plena luz na sua cabeça e disponível à primeira solicitação é o que constitui a base do seu trabalho, aquilo que sabem, pelo mesmo motivo, todos os espíritos eminentes da sua profissão.


Em que ordem reter: Acumular indiscriminadamente é torna tudo inutilizável, e condenar-se a só conseguir lembrar algo por acaso. Então busque sempre o que relaciona uma coisa com a outra, o que condiciona esta ou aquela, e que seja essa coordenação, e não fragmentos esparsos, que se estabeleça em sua memória.  


Conserve antes de tudo as ideias mestras; que elas apresentem-se à primeira chamada, prontas a esclarecer tudo que se oferece, a manter em sua posição, apesar de novos aportes, as ideias antigas, a se desenvolverem elas mesmas por ocasião de cada progresso.


Como reter: ponha sua atenção nas ligações e nas razões de ser das coisas; analise, busque os porquês, observe a genealogia dos acontecimentos, as sucessões e as dependências, imite a ordem matemática, onde a necessidade parte do axioma e chega às mais longínquas conclusões.


Torne-se capaz de, logo depois de ler ou ouvir o que estuda, reproduzi-lo na medida precisa em que deve ser fixado. No caso de um livro, não o abandone sem que possa resumi-lo, apreciá-lo. Um contato ativo com a obra ajuda sua memorização. 


3. As notas

Como anotar: podemos distinguir duas espécies de notas. Uma correspondente à preparação longínqua e outra à preparação imediata do trabalho. A primeira categoria tem a característica de ser um pouco fortuita; somente os limites de sua especialidade e a sua sabedoria podem reduzir a dose de acaso. Ao contrário, quando você anota para produzir, tendo essa produção um caráter definido, as notas também se definem, seguem de perto o assunto escolhido e formam um todo mais ou menos orgânico. 


Nos dois casos, devemos evitar os excessos, um acumulo de matérias em que depois nos embrulhamos e que se tornam inutilizáveis. 


Tenha notas tomadas com reflexão, evitando sempre o perigo de tomar notas sobre a esmos com cada expressão entusiástica. Tome tempo, com calma e uma boa distância somente o bom grão será armazenado.


Graças às notas, pode ser que uma obrar já esteja acabada antes mesmo de ter sido começada; todo seu valor será determinado pelas notas. O plano encontra-se nelas em estado latente, no qual diversas combinações são possíveis; mas a matéria já está reunida, dominada, e você está seguro de que, estabelecido o plano, ele corresponderá a uma concepção rela, a ideias que você possui, não a ideias que você ainda terá que buscar.


As notas assim compreendidas, não podem ser feitas nas horas vagas, pois são trabalho efetivo, e devemos reservar sua pesquisa para o chamamos de momentos de plenitude (em que o espírito está totalmente aplicado ao trabalho).


Como classificar as notas: o melhor método é aquele que experimentamos, confrontamos com nossas necessidade e hábitos intelectuais, e consagramos através de uma longa prática. Mas o método mais prático é o das fichas, que, independentemente do meio, deve permitir novos complementos, bem como uma classificação por categorias. 


Classificar supõe que você já tenha adotado um método de classificação em acordo com o seu trabalho. Catálogos de assuntos, com divisões e subdivisões, permitem um acesso rápido e prático às notas. 


Como utilizar as notas: um plano detalhado pode sugerir o uso correspondente das notas necessárias para o desenvolvimento de um trabalho. Numerar as pesquisas já realizadas em uma ordem coesa com base no objeto de estudo em questão, será o ideal para evocar as notas que lhe concernem. Classifique os grupos e redija então o trabalho colocando à sua frente, sucessivamente, o conteúdo de cada grupo. Havendo lacunas, novas pesquisas devem ser realizadas para complementar o domínio sobre o assunto. Copie suas preposições na ordem obtida, seguindo uma numeração marginal que possa ser corrigida se necessária uma melhor ordenação, ao final sua redação estará preparada.


O trabalho criador 


1. Escrever

Um órgão que se exercita cresce e se fortalece; um órgão fortalecido age com mais potência. Deve-se escrever ao longo de toda vida intelectual. Quem nada produz habitua-se a passividade, aumenta o medo que provém do orgulho da timidez.


Falar é ouvir a própria alma; quem escreve fala consigo mesmo e comunica aos outros. Quem escreve assim, sem orgulho nem artificio, como que para si mesmo, fala na verdade para toda a humanidade, se tiver talento para lançar à distancia uma palavra verídica. A humanidade se reconhecerá nesse discurso, pois foi ela quem inspirou. Não é à toa que todas as grandes obras falam sobre você.


O estilo forma-se junto com o escritor. É preciso formar por dentro e por fora o seu próprio verbo. As qualidades do estilo se resumem em: verdade, individualidade e simplicidade. O grande estilo consiste na descoberta das relações essenciais entre os elementos do pensamento, e na arte de exprimi-los sem nenhum rodeio. A verdade do estilho afasta o clichê.


Procure escrever na forma inevitável, a partir do pensamento preciso ou do sentimento exato que quer exprimir. Seu objetivo é ser compreendido por todos, como convém a um homem que fala para outros homens, e busque atingir neles tudo o que é direta ou indiretamente um órgão da verdade.


2. Ser constante, paciente, e perseverante

É preciso trabalhar com uma constância que acompanha a obra, com uma paciência que suporte as dificuldades, com uma perseverança que evite o desgasto da vontade.


Nós queremos ser intelectuais o tempo todo, e que isso seja reconhecido. Saberão quem nós somos pela nossa maneira de descansar, de divertir-nos, pela forma com que amarramos os sapatos: com mais razão ainda o verão pera nossa fidelidade ao trabalho, pelo retorno habitual à tarefa e por sua continuidade.


O primeiro sinal de fadiga não deve ser levado em conta; é preciso superá-lo, forçar a energia interior. Pouco a pouco, com as engrenagens em movimento, adaptamo-nos, e um período de entusiasmo pode suceder-se à penosa inércia. 


Seja qual for a causa, é preciso saber atravessar as dificuldades sem esmorecer, conservando o domínio de si mesmo. Uma dificuldade vencida ensina-lhe a vencer outras. O trabalho duro equivale a um trabalho fecundo e alegre. Essa tenacidade contribuirá para tornar o labor cada vez mais fácil. Persista, sustente o golpe, tenha paciência.


O verdadeiro intelectual é por definição um perseverante.


3. Tudo fazer bem e tudo terminar

A vocação intelectual não admite concessões; você deve se entregar por inteiro. Perante cada detalhe, diga para si mesmo: tenho o dever de fazê-lo, e também de fazê-lo bem feito, pois o que não se completa nada é.


Dê o máximo na hora da criação. Gerada a obra, trate-a como a criança que é alimentada e educada, mas cuja hereditariedade já está determinada, cuja características fundamentais já estão definidas. Ticiano retomava suas obras a fundo, mas segundo a forma primeira, unicamente para aperfeiçoá-la; não modificava em nada a concepção, as linhas fundamentais. O esforço já fora feito; tratava-se de complementá-lo. 


4. Não empreender nada que esteja acima de sua capacidade

“Não busque o que está acima de ti” é o último dos dezesseis preceitos tomistas e nele está incutido o fato de que só devemos empreender conforme nossas forças, de só dizer o que sabe, de não forçar-se a pensar o que não se pensa, a compreender o que não se compreender e evita o perigo de eludir as substancias das coisas cuja ausência se disfarça com palavras pomposas. 


O “conhece-te a ti mesmo” de Sócrates não é somente a chave da mora, é também a de toda a vocação, pois ser chamado a alguma coisa é ver assinalado um caminho para si dentre a amplitude das trajetórias humanas.


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As notas aqui utilizadas refletem diretamente aquilo que o autor do blog destaca da obra original durante a leitura da mesma, utilizando-se geralmente de citações diretas, indiretas e paráfrases, além de comentários pertinentes que podem ser retirados de outros trabalhos. As notas são criadas com o único intuito de fornecer um rápido acesso a consultas posteriores para estudo sobre o tema. Caso o leitor do blog tenha alguma dúvida ou gostaria de complementar algo, fique à vontade para deixar um comentário logo abaixo ou entre em contato mediante o instagram @waldeirmarques, ou email


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