13 de dez. de 2018

Sinto muito, mas a Anatel não defende a livre concorrência


Você, caro leitor deste humilde blog, provavelmente deve ter se surpreendido com a bizarra notícia sobre a Anatel que, se já não bastasse a sua infeliz existência, agora deu de querer proibir importações de smartphones chineses. Não contente, a Agência Nacional de Telecomunicações foi além ao realizar nos últimos dias uma operação para apreender produtos que a mesma considera irregulares. 

Dado tal ímpeto, o que os seres iluminados por trás da agência de fato pretendem? Melhor ainda: a Anatel foi criada para defender a concorrência ou controlar o mercado ao bel prazer dos burocratas? As respostas são quase que intuitivas, mas ainda se faz necessário o debate que é naturalmente evitado em nossa republiqueta.

SURGIMENTO DA ANATEL E SUAS CAUSAS

Até o fim da década de 90, o estado brasileiro foi o fiel explorador do setor de telecomunicação, composto por suas próprias empresas estatais, tendo a Telebras como controladora. Só quem viveu aquele tempo pode atestar que telefone fixo, de tão caro e inacessível, era sinônimo de status, coisa fidalga. Constatada a ineficiência estatal em explorar economicamente o setor, não havia outra solução se não entregar este papel àquele capaz de executá-lo: o mercado. Mas engana-se quem achar que o estado estava preocupado primariamente com a oferta de um melhor serviço. Na verdade, privatizar as teles matava dois problemas de um tacada só: retirava do estado a difícil missão de fazer aquilo que ele não sabe fazer e, graças à maravilha burocrática, o estado ainda seria capaz de controlar quase que totalmente o setor. É aí (mais precisamente em 1997) que surge a Lei Geral de Telecomunicações, que se desdobra na instituição da Anatel.

Citemos então os artigos 1° e 2° da referida lei, que versam sobre as principais atribuições da agência reguladora: 

Art. 1º Compete à União, por intermédio do órgão regulador e nos termos das políticas estabelecidas pelos Poderes Executivo e Legislativo, organizar a exploração dos serviços de telecomunicações.
Parágrafo único. A organização inclui, entre outros aspectos, o disciplinamento e a fiscalização da execução, comercialização e uso dos serviços e da implantação e funcionamento de redes de telecomunicações, bem como da utilização dos recursos de órbita e espectro de radiofreqüências.
Art. 2º O Poder Público tem o dever de:
I - garantir, a toda a população, o acesso às telecomunicações, a tarifas e preços razoáveis, em condições adequadas;
II - estimular a expansão do uso de redes e serviços de telecomunicações pelos serviços de interesse público em benefício da população brasileira;
III - adotar medidas que promovam a competição e a diversidade dos serviços, incrementem sua oferta e propiciem padrões de qualidade compatíveis com a exigência dos usuários;
IV - fortalecer o papel regulador do Estado;
V - criar oportunidades de investimento e estimular o desenvolvimento tecnológico e industrial, em ambiente competitivo;
VI - criar condições para que o desenvolvimento do setor seja harmônico com as metas de desenvolvimento social do País.

Mas que coisa magnífica essa lei! Que maravilha é viver em um país em que seus legisladores estão preocupados em garantir a população, o acesso às telecomunicações, a preços razoáveis e em condições adequadas! Você brasileiro, tem ou não orgulho de saber que sua pátria preza pela competição de mercado, responsável pela ampla variedade de serviços ofertados em padrões de qualidade compatíveis com a exigência de cada usuário? Simplesmente brilhante.

Só tem um pequeno detalhe que passa despercebido no meio desse tanto de coisa boa positivada pelo legislador: o papel regulador do Estado. É esse detalhe que faz toda a diferença na prática. Por exemplo: temos o direito de escolha entre operadoras de telefonia móvel, mas que não passa de um cartel, pois apesar de empresas distintas, todas elas ofertam o mesmo serviço, na mesma qualidade e pelo mesmo preço. Ora, se o órgão regulador impede a entrada de novos players no mercado, Oi, Tim, Claro e Vivo não possuem incetivo algum em melhorar seus serviços e preços. Logo, o debate aqui é pacífico: ou o estado regula ou ele nada faz e deixa o livre mercado trabalhar. O resto é contradição.

SOBRE A PRIVATIZAÇÃO DAS TELECOMUNICAÇÕES

Não descarta-se a importância da privatização das teles e sua abertura de mercado. O problema está na forma como se deu. A abertura foi parcial, limitando significativamente a quantidade de empresas dispostas a explorar o setor. Além das operadoras atuantes, qual o argumento para barrar a entrada de uma AT&T ou qualquer outra multinacional na disputa? Aí vem à tona a contradição dos burocratas quando tentam explicar que essa barreira é justamente para proteger a livre concorrência, já que outras empresas podem competir de forma desleal na tentativa de criar monopólios.

Em pratos limpos, o título do post resume bem a situação: a Anatel não defende o livre mercado! Como sua própria denominação diz, a Anatel faz justo o contrário, é ela quem regula o mercado. Impedir novos players de atuarem na competição do setor só atrapalha a livre iniciativa.

Portanto, apesar do avanço trazido pela privatização na telecomunicação do Brasil, temos em contrapartida a Anatel como um verdadeiro retrocesso para com a liberdade de escolha do consumidor brasileiro. E afirmo com toda a razão de um usuário insatisfeito com atual serviço prestado por sua operadora, que em nada difere daquele ofertado por suas "concorrentes".

O ABUSO ESTATAL

Tratemos agora dos casos recentes. No início deste mês de dezembro, a Anatel emitiu um comunicado sobre uma nova taxa que a agência reguladora irá impor aos consumidores de equipamentos que utilizam radiofrequência, além da proibição de importar eletrônicos da China via Correios. Por força de lei, a Anatel irá lhe cobrar 200 bolsonaros em troca de uma suposta certificação para cada eletrônico que emita radiofrequência.

Não basta as barreiras comerciais impostas pelo governo (como a alta tributação e políticas intervencionistas no mercado) que dificulta o acesso dos consumidores a praticamente todos os tipos de produtos no Brasil. Cabe também aos burocratas certificar que um dado eletrônico está apto ou não para o uso, cobrando 20% de um salário por um simples selo, mesmo depois que você já tenha passado pelo inferno que é adquirir qualquer coisa neste país.

Tudo bem, você como consumidor soberano irá sempre procurar o melhor produto/serviço pelo melhor preço, justamente aquele que cabe no seu bolso. Se o Estado Tupiniquim te impede de comprar um iPhone, ainda assim será possível importar um Xiaomi ou um Huawei, que são celulares chineses decentes e que não custam tanto quanto um iPhone por aqui. Quer dizer, você podia importar. Agora, não mais, porque a Anatel também proibiu a importação de celulares chineses pelos Correios.

A Anatel alega que toma tal iniciativa objetivando coibir a entrada de aparelhos que atrapalhem ou interfiram no funcionamento da rede de telecomunicação, já que estes não passaram pelo processo de homologação da agência que pode ainda bloquear o sinal de tais aparelhos, tornando-os inutilizáveis para ligações e acesso à rede móvel de internet. Mas a sacada genial dos burocratas por trás da agência reguladora vem agora: seu smartphone ou aparelho eletrônico não homologado, pode se tornar apto para operar na rede, desde que você pague R$ 200 por um selo. Ou seja, o mesmíssimo celular importado que prejudica o funcionamento da rede de telecomunicações, passará a funcionar em conformidade graças ao selinho mágico da Anatel. Não sei se rio ou choro.

Daí que cai em meu feed a seguinte notícia "Anatel apreende 126 mil produtos não homologados". Lendo a matéria, percebe-se o tipo de produtos apreendidos, tais como cabos óticos, rolos de cabos de TV, cabos de rede e câmeras Wi-Fi. A agência diz que até 70% dos equipamentos de rede em uso nas empresas, especialmente em pequenos provedores, não são homologados, e que vem intensificando o combate à pirataria, com base em “denúncias encaminhadas por entidades representativas do setor produtivo e o trabalho de inteligência desenvolvido pela própria agência”.

Agora pense: o que diabos faz com que a Anatel diferencie um CABO pirata de um CABO original, apenas batendo o olho? Sério, se alguém for especialista em cabo conta aí nos comentários, porque é no mínimo curioso. Não, a Anatel não vai procurar saber sobre a procedência dos materiais utilizado na fabricação dos cabos, nem mesmo irá reparar a sua qualidade. A agência quer mesmo é cumprir seu papel, aquele mesmo lá do art. 2º, IV, da Lei nº 9.472/97, que é o de fortalecer o papel regulador do Estado. E ela fará isso cobrando por um selo que será pago pelo consumidor, sim, por você caro leitor. É um absurdo, mas a liberdade e o direito de propriedade é como letra morta na Constituição.

A BUROCRACIA

Para concluir, deixo aqui trechos de "Burocracia" de Ludwig Von Mises, que deixa claro o motivo pelo qual os fracassados no capitalismo adoram a burocracia:

Qualquer imbecil pode usar um chicote e forçar os outros a obedecê-lo. Servir às pessoas, porém, é trabalho que exige neurônios. Apenas uns poucos conseguem produzir sapatos melhores e mais baratos do que os seus competidores. O especialista ineficiente irá sempre visar à supremacia burocrática. Sabe, muito bem, que não será capaz de se dar bem num sistema competitivo. A burocratização onipresente é o seu refúgio. Com o poder de um departamento às mãos, a sua vontade terá peso de lei.
No fundo e por trás de todo apologia fanática que se faz do planejamento e do socialismo há, muitas vezes, nada mais , nada menos que a boa e velha consciência que as pessoas têm da própria inferioridade e ineficiência. O homem que se sabe incapaz de aguentar a competição desdenha "esse sistema competitivo insano". Quem não é capaz de servir ao próximo quer governá-lo. 

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Waldeir Marques. Design by Berenica Designs.