30 de set. de 2020

Lucros e Perdas – Ludwig Von Mises


Originalmente apresentado durante a quarta reunião da Sociedade Mont Pèlerin, que teve seu lugar em Beauvallon/França, em setembro de 1951, o artigo Perdas e Lucros trata-se de uma autêntica defesa da economia de mercado, bem como do papel central exercido pelo agente empreendedor, que para auferir ganhos, deve, necessariamente remover desajustes (oportunidades) que são percebidos e encontrados no ambiente de mercado. A remoção do mecanismo proporcionado pelos lucros e perdas, tem consequências drásticas para a sociedade, sendo o atraso econômico e a limitação das liberdades civis, as principais características das sociedades que estigmatizam o lucro e o papel do empreendedor no mercado.


1 – A emergência dos lucros e das perdas

O curso da produção determinado pelos empreendedores em uma economia capitalista está totalmente condicionado à soberania dos consumidores. Se os empreendedores fracassam em entregar da melhora maneira, e mais barata possível, aquilo que os consumidores demandam com maior urgência, sofrem perdas e finalmente são substituídos por agentes mais capazes.


Como o lucro surge? As variáveis possibilidades de alocação de recursos escassos gera um estado de constante desajuste, onde consumidores podem estar adquirindo produtos por preços maiores do que poderiam encontrar, enquanto vendedores podem estar vendendo a preços menores do que poderiam cobrar. O lucro, ou a perda, surge, através da ação daquele que se julga capaz de empreender uma arbitragem de mercado, ao comprar alguns ou todos os fatores de produção a preços, que, do ponto de vista do estado futuro de mercado, são mais baixos no momento da compra.


No momento da venda é que será verificada a diferença entre os custos totais de produção e o preço de fato pago pelo consumidor. Sendo positiva, poderá indicar que o empreendedor julgou de maneira correta os preços futuros de mercado no momento em que optou pela compra dos fatores de produção.  Se por outro lado, o custo total da produção excede o preço no qual foi vendido a produção, tem-se aí uma perca empreendedora daquele que julgou de maneira equivocada as informações fornecidas pelo mercado. Em comento, o Professor Hans-Hermann Hoppe argumenta que, embora seja possível determinar com exatidão a quantidade de dinheiro que um capitalista ganhou ou perdeu no transcurso do tempo, a perda ou lucro monetário nada dizem sobre o estado de felicidade do capitalista, isto é, sobre o lucro ou a perda psicológica.


Se todas as pessoas conseguissem antecipar corretamente o estado futuro de mercado, simplesmente não haveria qualquer possibilidade de lucro, nem de perdas. Todos comprariam fatores de produção a preços que, já no instante da compra, refletiriam completamente os preços futuros dos produtos. É o que ocorreria no hipotético estado de equilíbrio apresentado pelos economistas neoclássicos, em que todos os dados/informações do mercado já estão dados. Entretanto, os austríacos partem do pressuposto de que os mercados, apesar de apresentarem uma tendência para equilíbrio, nunca o encontram. Em seu ensaio, Mises argumenta que lucros e perdas são características próprias de um estado de incerteza, onde incessantes mudanças nos dados econômicos produzem repetidamente novas discrepâncias (desajustes), o que gera, consequentemente, a necessidade de novos ajustamentos.


2 - Proventos não se confundem com lucros

Para o observador leigo, pode parecer que a atividade realizada pelos empregados contratados para consecução de uma produção, seja a verdadeira atividade empreendedora, e aqueles que detém os meios de produção são meros parasitas ociosos que embolsam os dividendos provenientes da produção. Entretanto, é importante ressaltar que atividade empresarial consiste em tomar decisões, ou seja, determinar para que fins os fatores de produção devem ser empregados. E pra isso, são necessários bens de capital que são anteriores e complementares aos fatores de produção presente.


Desta forma, Mises diferencia os empreendedores daqueles que não o são: os empreendedores são aqueles sobre os quais incidem perdas sobre o capital empregado. Os economistas amadores podem confundir lucros com outros tipos de entradas, no entanto, é impossível falhar no reconhecimento das perdas sobre o capital empregado (de forma complementar, Knight identifica a atividade empresarial com controle e a responsabilidade – devendo a última ser compreendida como o ato de arcar com a incerteza).


3 – A votação do mercado: a soberania do consumidor

É por intermédio das compras e abstenções de comprar, em uma espécie de plebiscito, que os consumidores elegem diariamente os empreendedores que devem ou não participarem do processo de mercado. Como essa votação sempre é realizada com base em experiencias anteriores, ainda que aquele empreendedor eleito no passado ao servir melhor os consumidores, nada o garante na continuidade de seus negócios, uma vez que a escolha realizada pelos consumidores não é inalterável, sendo corrigida diariamente. O eleito que desaponto o eleitorado é rapidamente enviado de volta as fileiras. 


Cada voto dos consumidores acrescenta somente um pouco a esfera de ação do homem eleito. Para atingir os níveis mais elevados do empreendedorismo, precisa obter um grande número de votos, repetidos uma e outra vez durante longo período de tempo – uma série prolongada de proezas bem sucedidas. Deve estar, todos os dias, sujeito a novo julgamento, deve submeter-se, mais uma vez, à reeleição por assim dizer.


Os críticos que se baseiam pelas doutrinas da competição imperfeita e monopolística podem questionar se o sucesso do empreendedor se deve somente ao processo de mercado, ou se o próprio empreendedor também contribui para emergência de seus lucros ao limitar sua produção, pois se não fosse pela restrição intencional da produção, a oferta de um bem especifico seria tão ampla que o preço teria caído a um ponto no qual não teria havido nenhum excedente de proventos acima dos custos de produção. 


Ora, de um ponto de vista retrospecto, é fácil mostrar capacidade de previsão (como o analista da bolsa de valores passada, que diz que se tivesse comprado uma ação antes de sua valorização atual, estaria hoje rico). 


Entretanto, dois fatores impedem que tal cadeia de raciocínio se suceda:


a) escassez dos fatores de produção: que a produção de uma mercadoria p não seja maior do que realmente é, se deve ao fato de que os fatores completares de produção necessários a uma expansão foram empregados na produção de outras mercadorias. Neste quesito, entra a questão da falibilidade dos julgamentos realizados pelos empreendedores; suas escolhas quanto ao melhor emprego dos fatores de produção nos projetos que acreditam que irão satisfazer as demandas mais urgentes (proporcionando assim um maior lucro), são falhos. Porém, falhas constantes são afastadas pela soberania do consumidor, que invariavelmente elegem aqueles empreendedores mais capazes, ou menos desastrados do que os demais. 


b) escassez do capital: a tarefa do empreendedor é selecionar, dentre a multidão de projetos tecnologicamente factíveis, aqueles que satisfarão às necessidades mais urgentes do público – que ainda não foram satisfeitas. Os projetos para cuja execução a oferta de capital não suficiente, por obvio, não podem ser executados. 


Assim, palpites “elevados” sobre o que deveria ser produzido no lugar das coisas que são demandadas pelas massas, não podem prosperar. A popularidade dos automóveis, smartphones, e meias de náilon, se deve ao fato de que as pessoas anseiam tais coisas, ao depositar seus votos naqueles empreendedores que oferecem essas mercadorias com a melhor qualidade possível e pelo preço mais baixo. Os empreendedores obtêm lucros servindo aos consumidores, as pessoas, tais como elas são, e não como deveriam ser de acordo com o capricho de um crítico que se julga mais sábio do que as massas (um ditador em potencial).



4 – A função social dos lucros e das perdas

As pessoas concebem o que são lucros excessivos de acordo com o lucro obtido em um empreendimento, medindo-os como porcentagem do capital. Entretendo, o que gera lucros ou perdas não é o capital empregado, como supõe Marx. Bens de capital são coisas mortas que, em si mesmas, não realizam nada. É a decisão empreendedora que cria lucros ou perdas. Os lucros originam-se de ações mentais, ou seja, são produtos da mente, do sucesso em antecipar o estado futuro do mercado. 


Ao estigmatizar os lucros como excessivos e penalizar os empreendedores eficientes por meio de tributação, as pessoas se prejudicam a si mesmas. Taxar os lucros corresponde a taxar o sucesso por melhor servir ao público. O único objetivo de todas a atividade empreendedora é empregar os fatores de produção de tal maneira que rendam a maior quantidade de produção possível. Quanto menor se torna a quantidade de insumos necessários para a produção de um artigo, maior a porção dos fatores de produção escassos que são deixados para a produção de outros itens. Mas, quanto melhor um empreendedor se sair com relação a isso, mais será vilipendiado e mais será explorado pela tributação. Um custo maior por unidade de produto (desperdício) é elogiado como virtude.


Lucros e perdas são instrumentos por meio dos quais os consumidores transferem a direção das atividades de produção para as mãos daqueles mais capazes. Penalizar os lucros prejudica tal função, dificulta a criação de poupança e acumulação de capital, que por sua vez impede a consecução de empreendimentos que requerem um maior acumulo de capital, tornando assim a econômica cada vez mais ineficiente e estagnada.


5 – A abolição dos lucros e suas consequências

Aqueles que desejam abolir os lucros se orientam pela ideia que seu confisco melhoraria o bem-estar material de todos os que não são empreendedores. Desta forma, as políticas de todos os governos que adotaram ao socialismo por completo aplicam esses três esquemas em conjunto:


a) Abolir os lucros em favor dos consumidores: força o empreendedor a vender seus produtos por preços que não excedam os custos de produção despendidos. Dado que tais preços se encontram abaixo do potencial de mercado, a oferta disponível não será suficiente para garantir que todos os que desejam comprar possam adquirir os artigos por esse preço. O mercado ficará paralisado pelo decreto de preços máximos e não poderá alocar os produtos entre os consumidores. O racionamento terá de ser adotado.


b) Abolir os lucros em favor dos empregados: a incidência das perdas incorridas recai  sobre o empreendedor, enquanto os lucros ficam com os empregados. É provável que os efeitos de tal arranjam façam com que as perdas aumentem e os lucros diminuam. De qualquer maneira, uma parte maior seria poupada e reinvestida novamente no empreendimento. Nenhum capital estaria disponível para o estabelecimento de novos ramos de produção, nem para a transferência de capital dos ramos que – em conformidade com a demanda dos consumidores – deveriam escolher para os ramos que deveriam se expandir (pois a transferência acarretaria a perdas daqueles que estão empregados no empreendimento que será transferido). Se tal esquema tivesse sido adota há meio século, todas as inovações que foram realizadas nesse período teriam sido impossíveis.


c) Confiscar todos os lucros para benefício do estado: uma taxa de cem por cento sobre os lucros realizaria essa tarefa. Transformaria os empreendedores em administradores irresponsáveis, pois já não estariam sujeitos à soberania dos consumidores. Seriam apenas pessoas que teria o poder de lidar com a produção da maneira que lhes agradasse mais.


O efeito conjunto da aplicação dessas políticas já se encontra, atualmente, produzindo o caos. O capitalismo não pode sobreviver à abolição dos lucros. Lucros e perdas são aquilo que força os capitalistas ao emprego da capital para servir aos consumidores da melhor maneira possível. Lucros e perdas são aquilo que torna essas pessoas soberanas na conduta dos negócios mais adequados para satisfazer ao público. Se os lucros virem a ser abolidos, o resultado será o caos.


Os esforços para eliminar os lucros do sistema capitalista são meramente destrutivos. Cada passo dado em direção à eliminação dos lucros é um avanço pelo caminho que conduz à desintegração social. Ao escolherem entre capitalismo e o socialismo, as pessoas também escolhem implicitamente entre todas as intuições sociais que vêm como acompanhamento de cada um desses sistemas. Se o controle de produção for transferido das mãos dos empreendedores, eleitos novamente a cada dia pela votação dos consumidores, para as mãos do comandante supremo de Marx e Engels, ou para os trabalhados armados de Lenin, nenhum governo representativo poderá sobreviver, bem como nenhuma liberdade civil. 


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